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Jaime Santos, sua arte \u00e9 a can\u00e7\u00e3o, uma das preciosidades que <\/p>\n\n\n\n
o Brasil soube t\u00e3o bem desenvolver e que tanto nos orgulha. A can\u00e7\u00e3o \u00e9 a m\u00fasica e s\u00e3o as palavras. N\u00e3o \u00e9 a m\u00fasica apenas, que em si \u00e9 arte de imenso valor. E n\u00e3o s\u00e3o t\u00e3o somente os versos, como os encontramos deliciosos na l\u00edrica dos poetas. <\/p>\n\n\n\n
Pode-se mesmo dizer que h\u00e1 um fazer musical espec\u00edfico para a can\u00e7\u00e3o, assim como h\u00e1 tamb\u00e9m um jeito todo particular de escrever-lhe as palavras. Contudo, n\u00e3o dispomos em nossa l\u00edngua de uma palavra adequada para designar quem faz can\u00e7\u00f5es. <\/p>\n<\/div><\/div>\n\n\n\n
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Dizemos compositor<\/em>, mas esse termo se refere originariamente a quem \u201ccomp\u00f5e ou escreve m\u00fasica\u201d. Em ingl\u00eas, um compositor de can\u00e7\u00f5es \u00e9 denominado songwriter<\/em>, como, em franc\u00eas, se diz que \u00e9 um chansonnier<\/em>, ambas essas palavras derivadas de \u201ccan\u00e7\u00e3o\u201d (isto \u00e9, song<\/em> e chanson<\/em>, respectivamente). O portugu\u00eas cancioneiro<\/em>, assim como o italiano canzoniere<\/em> e o espanhol cancionero<\/em>, se refere a uma cole\u00e7\u00e3o de can\u00e7\u00f5es (\u00e9 assim que dizemos, por exemplo, \u201co cancioneiro<\/em> de Dorival Caymmi\u201d), e n\u00e3o a quem as faz. Mas em italiano e espanhol h\u00e1 a palavra cantautore<\/em> e cantautor<\/em>, respectivamente, termo que se refere a quem canta suas pr\u00f3prias can\u00e7\u00f5es e que, em portugu\u00eas, n\u00f3s desconhecemos. <\/p>\n\n\n\nParecer\u00e1 isso uma bagatela. Talvez. Mas n\u00e3o deixa de intrigar-nos n\u00e3o\nhaver denomina\u00e7\u00e3o conveniente para uma arte de tamanha relev\u00e2ncia para a\ncultura brasileira. E uma arte da mais alta complexidade. Pois, afinal, como se\nfaz uma can\u00e7\u00e3o? \u00c9 preciso encontrar a melodia in\u00e9dita, revesti-la com a\nharmonia adequada e insinuante, buscar, al\u00e9m disso, as palavras cuja sonoridade\ne sentido se ajustem precisamente \u00e0 melodia. Isso quando n\u00e3o \u00e9, antes, a m\u00fasica\nque vem adequar-se \u00e0s palavras, pois o compositor pode tamb\u00e9m trabalhar sobre\ntexto pr\u00e9vio, seu ou alheio.<\/p>\n\n\n\n
\u00c9 nesse sentido que Jaime Santos \u00e9 um artista da can\u00e7\u00e3o, um l\u00eddimo \u201ccompositor\u201d brasileiro. E \u201ccantautor\u201d (aceitemos o estrangeirismo necess\u00e1rio) de ex\u00edmia qualidade. Em Jaime temos a aut\u00eantica can\u00e7\u00e3o popular brasileira. Ele n\u00e3o se vale de formas poem\u00e1ticas espec\u00edficas, como o soneto, nem trabalha com m\u00e9tricas determinadas, como o verso decass\u00edlabo. Nada disso. Sua po\u00e9tica \u00e9 inteiramente livre, ditada apenas pela melodia da m\u00fasica com que se ajusta e harmoniza. E as tem\u00e1ticas lhe v\u00eam todas do seu pr\u00f3prio cotidiano. \u201cJaime Santos\u201d, escreve acertadamente *Guinga na contracapa do CD Rom\u00e3<\/em>, \u201cretrata a realidade da sua vida com toda a honestidade, e \u00e9 isto que um compositor deve fazer\u201d.<\/p>* Depoimento de Guinga (violonista e compositor da m\u00fasica brasileiro, na contracapa do CD Roma de Jaime Santos.<\/cite><\/blockquote>\n\n\n\nMas de onde vem isso? Isto \u00e9, como se aprende a fazer can\u00e7\u00f5es? Decerto\nn\u00e3o \u00e9 na escola. Ali\u00e1s, Jaime, moleque da periferia, s\u00f3 entrou na escola\ntardiamente. Ocorreu que uma vizinha de nome Sila um dia lhe apresentou o que,\npara Jaime, ent\u00e3o com nove anos de idade, representou o seu \u201cpulo do gato\u201d (express\u00e3o\npopular e saborosa com que podemos talvez traduzir aquilo que os acad\u00eamicos\ndenominam uma epifania<\/em>). Com efeito,\nSila lhe mostrou vinis da gera\u00e7\u00e3o imediatamente herdeira da Bossa Nova: Chico\nBuarque de Holanda e os tropicalistas, entre outros artistas daquela sempre mui\nprestigiada gera\u00e7\u00e3o de ouro de nossa MPB. Ora, entende-se que n\u00e3o era f\u00e1cil\npara um guri pobre ter acesso a discos de vinil. Foi assim que Jaime se disp\u00f4s\na trabalhar para o pai de Sila, o que lhe permitia sempre ouvir aqueles preciosos\ndiscos.<\/p>\n\n\n\nAlguns anos depois, um de seus irm\u00e3os chegou em casa com um viol\u00e3o, um\n\u201cpau veio\u201d, como Jaime gosta de dizer brincando. Com o apoio de seu amigo\nEverton, o Passarinho, Jaime n\u00e3o apenas compreendeu como se afinava aquele\ninstrumento, como tamb\u00e9m aprendeu seus dois primeiros acordes. Poucos embora,\nesses j\u00e1 lhe serviram para compor sua primeira can\u00e7\u00e3o, com a qual alcan\u00e7ou o\nsegundo lugar num festival de talentos na escola La Salle, em Canoas.<\/p>\n\n\n\n
Na verdade, a m\u00fasica estava em Jaime desde sempre: na voz da m\u00e3e\nnegra, que gostava de cantar os sucessos do r\u00e1dio (teria sido com ela que ele\naprendeu a cantar) e no orgulho do pai ind\u00edgena, que o punha ainda menino sobre\na mesa para que cantasse algum samba ou bolero para seus convidados.<\/p>\n\n\n\n
No entanto, o talento apenas n\u00e3o valer\u00e1 grande coisa se com ele n\u00e3o\nhouver tamb\u00e9m a persist\u00eancia e a disciplina. De fato, neste Brasil de t\u00e3o\npoucas oportunidades, quantos talentos n\u00e3o se quedam a meio caminho,\npotencialidades que jamais se realizam! <\/p>\n\n\n\n
Ocorre que com Jaime a coisa foi diferente. O menino que cresceu\nouvindo a m\u00e3e cantar, que o pai erguia sobre a mesa para que cantasse aos amigos,\no garoto que, tendo apenas aprendido alguns acordes, escreveu sozinho uma\ncan\u00e7\u00e3o para representar a turma da escola, classificando-a numa competi\u00e7\u00e3o art\u00edstica,\no jovem que, algumas roupas na mala e o viol\u00e3o no saco, decidiu corajosamente\n\u201cp\u00f4r o p\u00e9 na profiss\u00e3o\u201d, o homem feito que cruzou o Atl\u00e2ntico, levando a can\u00e7\u00e3o\nbrasileira consigo para o mundo, Jaime Santos nunca desistiu. E nunca desistiu\nporque soube, sempre soube, desde que ouvira aqueles vinis com Sila, a que veio\nneste mundo.<\/p>\n\n\n\n
O CD Rom\u00e3<\/em>,sua opera\nprima<\/em>, \u00e9, assim, o resultado de anos de aprendizado. \u00c9, pois, o momento\ndefinitivo e decisivo quando o aprendiz se revela mestre para quantos tenham\nouvidos para ouvir. Dizem que \u00e9 preciso viajar para contar hist\u00f3rias. Pois\nJaime andou pelo Brasil, e em Rom\u00e3<\/em>\nnos apresenta boa parte das sonoridades e tem\u00e1ticas que atravessam o pa\u00eds: do\nlitoral ao interior, da intens\u00e3o nordestina ao sul urbano, passando pelo\nsudeste, a transversalidade \u00e9 sem d\u00favida a marca destacada desse trabalho. Rom\u00e3<\/em> reconhece, inventaria, sublima e\napresenta em sons e palavras o Brasil que amamos.<\/p>\n\n\n\nCom harmonias elaboradas e melodias contagiantes, as m\u00fasicas seguem a\ntrilha da melhor cepa da nossa magn\u00edfica MPB, enquanto as letras (do pr\u00f3prio\nJaime ou de seus parceiros) nos enlevam e surpreendem a cada momento com a\nsonoridade e o sentido que as palavras tomam no contexto \u00fanico da can\u00e7\u00e3o. <\/p>\n\n\n\n
Muito se pode dizer sobre esse fluir inspirado de palavras sonoras,\nmas alguns versos representativos nos ser\u00e3o de momento suficientes: \u201cO\nmovimento da rua \/ J\u00e1 se faz ver \/ E o sil\u00eancio l\u00e1 fora quer morrer\u201d (A cor do\ndia); \u201cFruta boa e saborosa \/ Que me olhando quer\u201d (Rom\u00e3); \u201cSe amar faz parte\nde mim \/ O mar \u00e9 o princ\u00edpio e o fim\u201d (Cais do porto); \u201cO cora\u00e7\u00e3o bate, para \/\nDepois escuta conversa de bois \/ O boi Cala-Boca reclama do patr\u00e3o \/ O homem\nnunca foi mais forte do que o boi (Conversa de bois); \u201cAlinhados nossos far\u00f3is\n\/ Espero de ti um sinal \/ Os navios, nossos portos \/ J\u00e1 passou o temporal\n(Far\u00f3is); \u201cA gente tece de luz e sombra \/ Veredas de se perder\u201d (\u00d3leo sobre\ntela). <\/p>\n\n\n\n
Esses versos (e h\u00e1 outros de igual valor), j\u00e1 em si mesmos de grande\nexpressividade art\u00edstica, ganham um sentido sublime quando cantados \u2013 e \u00e9 justamente\nesta, j\u00e1 o dissemos, a arte da can\u00e7\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n
Poder\u00edamos seguir falando de Jaime e seu trabalho por horas, mas, como\nescreveu Caetano Veloso, \u201ca can\u00e7\u00e3o tem que acabar\u201d. N\u00e3o podemos, por\u00e9m, acab\u00e1-la\nsem mencionar um dos trechos po\u00e9ticos que julgamos de grande destaque no CD Rom\u00e3<\/em>:<\/p>\n\n\n\nEla me espera, seu desassossego<\/em><\/p>\n\n\n\nEu n\u00e3o tenho hora<\/em><\/p>\n\n\n\nTempero o anseio<\/em><\/p>\n\n\n\nQuando chego pelo meio<\/em><\/p>\n\n\n\n \n(Quem \u00e9s)<\/p>\n\n\n\n
Compreende-se que a espera inquieta, desassossegada\npor algu\u00e9m que, por raz\u00f5es n\u00e3o especificadas, n\u00e3o tem hora para voltar, essa\nespera ansiosa \u00e9 temperada (entenda-se: \u00e9 modelada, ajustada ou, se se quiser,\n\u201cafinada\u201d como se fosse um instrumento) pelo pr\u00f3prio eu-l\u00edrico, que, afinal,\nchega pelo meio, isto \u00e9, quando, embora o esperassem, n\u00e3o sabiam que chegava justo\nnaquele momento. <\/p>\n\n\n\n
Pois te esper\u00e1vamos, Jaime, e mui desassossegados. Sem hora certa de vir e tendo, por isso, temperado nosso anseio, chegas finalmente com Rom\u00e3 <\/em>e nos atinges bem no meio. Em cheio!<\/p>\n\n\n\n<\/p>\n\n\n\n
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